Por Luz Marina Toledo (Psicanalista)
O que mais notamos no discurso das pessoas na pós-modernidade é que o tempo está passando rápido demais.
Se colocarmos uma lupa em nosso cotidiano, veremos que a maioria das pessoas, em busca de “performar” cada vez melhor, duela consigo mesmo, acelerando a vida, vivendo no amanhã, sem saborear o hoje na ânsia de ser reconhecido por sempre procurar ultrapassar os seus limites.
Parece que a humanidade está sofrendo dessa aceleração em busca do “que vem depois”. Principalmente após do início da pandemia do COVID 19, a humanidade busca sair a qualquer preço desse caos de medo e privações.
Percebo que somos obrigados a realizar diversas proezas. Sim, parece obrigação saber tudo o que se passa, assistir a série do momento, fazer atividades físicas, ter um bom desempenho em todos os setores da vida.
Na academia, em busca do corpo perfeito, não queremos “perder tempo” para esperar os resultados, tomamos anabolizantes e outras drogas.
Vamos nos divertir, precisamos registrar o “momento de felicidade”, então colocamos um filtro para ficar melhor. Quem nunca? E também temos que ficar “fuçando” as redes sociais para medir se os outros estão mais felizes que nós. A necessidade de nos compararmos rouba toda a nossa energia. Apesar de acharmos que não, estamos nos comparando sim.
Numa roda de conversa somos cobrados porque não vimos uma determinada série, então na primeira oportunidade “maratonamos” para nunca mais ficarmos por fora.
Perdemos o hábito prazeroso de saborear a cadência dos acontecimentos, tampouco assimilamos o que vemos, daqui um mês cai no esquecimento porque outras séries muito boas apareceram e nem nos lembramos da última.
Desaprendemos a esperar, temos a sensação de falta de tempo crônica, que nos angustia e nos causa uma sensação de que estamos falhando porque não conseguimos dar conta de tudo.
A falha não é nossa, ninguém dá conta de tudo o tempo todo, quem dá conta está altamente estressado pagando uma conta cara com muita ansiedade e outros comprometimentos na saúde mental.
Nosso cérebro acostumou-se com o modo comparação, vivemos em função de estar na frente, de saber antes, de entregar (novo verbete) sempre e por aí vai.
Por não vivermos o hoje, estamos sempre de olho no futuro, que nem sabemos se o teremos, porque a humanidade vive na ilusão de que é imortal e o COVID 19 veio nos lembrar que sim, somos mortais! Como se fala: tapa na cara!
Sem falarmos no risco de perder emprego ou no desemprego concretizado que nos rouba energia e também nos coloca no modo constante de antecipação no amanhã.
Estamos mergulhados nessa lógica perversa que em hipótese alguma admitimos falhar, tampouco sentir tristeza, que são condições humanas.
Ouço muita na Clínica as pessoas muito incomodadas com o menor instante de ócio, como se estivessem “perdendo tempo”, e então perdem o prazer em não fazer nada. Existe uma autocobrança de estar sempre fazendo algo para ser produtivo.
Todos os dias somos bombardeados por frases “positivas” do tipo: “seja a sua melhor versão”, “quem quer faz” e ainda “saia da sua zona de conforto”.
O que fazem essas frases que parecem inocentes? Acionam um sentimento chamado CULPA. E como é insuportável a dor desse sentimento, vamos a exaustão para dar a “nossa melhor versão”.
Frases positivas não resolvem se tivermos questões anteriores para serem resolvidas que estão no nosso inconsciente. Essa positividade tóxica gera muita angústia porque se a pessoa não faz é porque não tem recursos psíquicos para fazer e não deve ser julgada.
Nessa lógica de comparação e de alta performance, se algo não der certo, as pessoas raciocinam assim: a culpa é sempre minha, eu que não dei o melhor de mim. Esse modo de pensar vale para o trabalho, para amigos e para relações amorosas.
Vivemos então com uma culpa latente e geralmente esse sentimento se vira contra nós mesmos. Acabamos nos maltratando mais e extrapolando todos os nossos limites.
Sem querer desanimar e sim alertar, com todos esses ingredientes temos todas as condições internas para nos afastarmos de nossa humanidade e adoecer.
O ser humano tem LIMITES que deveriam ser respeitados em nome de nossa saúde emocional e física.
Ansiedade é pouco. Noto que as pessoas estão num sentimento crônico de cansaço e de menos valia, em função desse “modo comparação” e do “modo tenho que fazer” tudo o tempo inteiro.
E, se eu não tenho uma boa imagem de mim mesma, fatalmente não farei boas escolhas para mim e viverei na ânsia de me superar.
Existem várias “receitas” para viver sem ansiedade, mas elas pouco falam nessa parafernália toda de autocobrança e performance. Ao contrário, as Redes Socias estão inundadas de frases bonitas que nos levam, inconscientemente, a nos cobrar mais e mais.
Reparou nisso?
Luz Marina Toledo é pedagoga, atuou durante 32 anos na educação pública do município de São Paulo e é psicanalista formada na Sociedade Paulista de Psicanálise
@luzmarinapsicanalista